terça-feira, março 15, 2005

Referências formativas

A juventude está completamente perdida. Hoje dediquei-me a pensar nisso enquanto conduzia e cheguei a essa conclusão. Eu, quando era puto, não passava a vida a jogar Mega Station e o caralho, quanto muito jogava uma horinha porque mais que isso já começava a levar calduços na pescoçeira dos meus irmãos mais velhos enquanto gritavam "essa merda ainda há-de te entortar os olhos, vais ficar igual ao José Cid". Obviamente que desligava logo o ZX Spectrum 128k +2 (o que tinha o gravador incluído), a simples ideia de ficar com um olho para cada banda gelava-me o sangue.
Um gajo ver televisão mais do que uma hora? Nem pensar nisso! Levava logo um arreio de porrada que nem me mexia. Para além do mais também ninguem tinha vontade de ver televisão, na altura só havia dois canais. Um gajo ou via a Vera Roquette, o Luis Pereira de Sousa ou o Eládio Climaco, ou então ia brincar para a rua com os amigos.( Sim porque na altura um gajo tinha permissão de ir brincar para a rua, nos anos oitenta não havia pedófilia e coisas assim). Sim, porque ficar em casa à tarde era sinal de que iamos ouvir o grande tenor português Carlos Guilherme, que teve como ponto alto da carreira cantar num anúncio de bacalhau.
Um gajo ia para a rua ter com os amigos, por a conversa em dia e jogar à bola, ao berlinde, ao metro, ao jogo das matrículas ou ao bate-pé, tudo brincadeiras inofensivas e capazes de formar o carácter de um jovem em crescimento. E toda a gente jogava a isso ou então era paneleiro e nos anos oitenta ser paneleiro era mal visto, não é como agora que somos controlados por eles.
Relembro com saudade aquela emoção que uma sentia quando jogava ao metro e a lata vinha ter connosco. Aquele formigueiro enquanto eramos pontapeados alegremente por dez ou vinte amigos e nos contorciamos de dores, mas sempre com um sorriso nos lábios, um sorriso fraterno de camaradagem de quem sabe que no próximo jogo pode ser outro a ficar todo negro dos pontapés. Assim é que um gajo convivia.
E o bate pé? Onde um gajo tinha os primeiros contactos com o sexo oposto? À frente de toda a gente, os nervos com que um gajo ficava enquanto não era escolhido, ou aquela irritação quando era escolhido por uma gaja que com 10 anos já tinha uma penugem facial de impôr respeito a qualquer buço de um jovem de 15 anos? Aí é que um gajo aprendia a controlar as emoções, não é com um comando na mão a jogar na consola.
E que dizer desse baluarte da educação fora de portas, o jogo das matrículas? Os putos agora não jogam a porque, mesmo que morem a cinquenta metros da escola, os paizinhos vão lá buscá-los de carro, porque coitadinhos, ainda são muito novos para andarem uma distância tão grande sozinhos. Eu morava quase a um kilómetro da escola e ia sempre a pé com os colegas que moravam perto de mim para casa. Isso é que era, um gajo, sempre num clima de amizade, carregava as mochilas dos outros colegas todos até casa deles quando passava um carro com uma matrícula que tivesse o número que nós escolhiamos. Aquele clima de galhofa quando o azarado tropeçava e ficava soterrado debaixo das mochilas todas, a gemer.
Este tipo de coisas é que ajuda a formar a personalidade de um jovem que se quer saudável, não é ficar fechado em casa a jogar computador e a tentar conhecer gajas pela internet. Acho que este tipo de referências tem de voltar a ser implementado, sob pena de estarmos a criar jovens que no futuro se vão tornar em homens estrábicos, com cabelo artificial colado à cabeça e com uma perna de pau.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Epá, este teu texto fez-me lacrimejar! As coisas que tu me fizeste lembrar, a minha infância passou-me defronte dos olhos! Gostei muito!

15/3/05 17:12  
Anonymous Anónimo said...

Que mau!

Lara

15/3/05 17:13  
Blogger Patricia Dias da Silva said...

Moravas a 1km da escola, moravas... Coitadinho! E quem é que queres enganar? Tu nunca eras escolhido no bate-pé :P

1/4/05 13:31  

Enviar um comentário

<< Home